quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A beleza sinistra de um incêndio

Ao olhar as imagens de satélite que publiquei há pouco, veio-me à ideia, de novo, o tema que agora abordo. Nesta nova experiência de informar acerca dos incêndios florestais, cabe-me lidar com alguns dilemas. No fundo, os dilemas que, muitas vezes, se colocam a chefes de redacção e directores de órgãos de informação independentes. Falo do dilema do interesse público face ao interesse do público. E falo disso, porque, de facto, o fogo implica quase sempre esses dois interesses.

O fogo é vida e é destruição e é, por isso, do interesse público que se noticie e se publique. O que tem de bom e útil e o que tem de trágico e destruidor.

E é, sobretudo, este último aspecto que pretendemos prevenir. Mas o fogo é também espectáculo. Não é por acaso que inúmeras vezes a indústria do “showbizz” o utiliza para criar imagens inesquecíveis. É aqui que entra o puro interesse do público. Não é que o interesse do público, por definição, seja mau. Não tem que o ser. As pessoas interessam-se, também, por muitas coisas com interesse público. É, por isso, muitas vezes, legítimo que se publiquem coisas espectaculares, mesmo que, no seu âmago, sejam nefastas. O grande dilema é, por isso, publicar ou não certas imagens e tentar perceber se, em cada uma delas, se consegue encontrar simultaneamente interesse público e o interesse do público.

É na avaliação dessa intercepção que está a dificuldade.


Pelo menos, a dificuldade aparente que televisões e outros órgãos de comunicação social têm tido, quando procuram as grandes labaredas, consumindo tragicamente, mas com uma beleza rara e sinistra, vida das nossas florestas, do nosso País. Em Espanha, há muito que há um acordo entre televisões quanto à emissão de imagens das chamas de incêndios florestais. Isso tem sido bem evidente das reportagens que nos chegam acerca da tragédia que está a assolar as ilhas Canárias. Em Portugal, não apenas não tem havido acordos, como nunca parece ter havido bom senso. Não porque alguém se equivoque em relação à zona de intercepção dos tais dois interesses, mas porque – dá-me ideia – nunca ninguém procurou seriamente essa zona.

Afinal, há imagens que, mesmo sem conter a tal beleza sinistra do fogo descontrolado, são muito mais informativas e, quem sabe, poderosas, em todos os sentidos. Obtê-las, encontrá-las, publicá-las é, verdadeiramente, a arte do jornalismo.

Nuno Santos
Responsável pelo Gabinete de Imprensa da Câmara Municipal de Gondomar

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